“𝐎 𝐆𝐫𝐚𝐧 𝐂𝐢𝐫𝐜𝐨 𝐈𝐧𝐭𝐞𝐫𝐧𝐚𝐜𝐢𝐨𝐧𝐚𝐥: 𝐞 𝐬𝐮𝐚 𝐩𝐚𝐬𝐬𝐚𝐠𝐞𝐦 𝐩𝐞𝐥𝐚 𝐕𝐢𝐥𝐚 𝐝𝐞 𝐀𝐧𝐭𝐚”
Nos idos de 1979, em meio aos ares de setembro, uma atmosfera mágica envolveu a pacata Vila de Anta. Os dias corriam em normalidade, e a memória do desfile cívico com o sobrevoo do monomotor do 𝐋𝐢𝐧𝐜𝐨𝐥𝐧 ainda pairava no ar. No entanto, o destino preparava uma surpresa para aquela comunidade tão acolhedora.
Numa manhã ensolarada, caminhões imponentes adentraram o campo do Antense, anunciando a chegada do Gran Circo Internacional. Uma visão inédita para mim, um menino retirante "nordestino" vindo de Jequié, cidade do sudoeste da Bahia. Meus olhos brilhavam ao testemunhar tal magnitude: três imponentes mastros dominavam o horizonte, e os chimpanzés, babuínos, leões, presos em seus cárceres ainda permitidos naquela época, exalavam uma aura selvagem.
Os espetáculos que se sucediam eram um banquete para os sentidos. Havia palhaços alegres e travessos, trapezistas que desafiavam a gravidade, malabaristas habilidosos no rola-rola e corajosos acrobatas que caminhavam em cordas bambas, além do globo da morte. Era um universo encantado que se desdobrava diante de meus olhos.
Mas, para mim, o ápice daqueles momentos inesquecíveis foi a presença da cantora 𝑨𝒅𝒓𝒊𝒂𝒏𝒂, loiríssima com seu canto melodioso que ecoava pelos meus ouvidos como um arrepio de emoção. "𝑫𝒊𝒇í𝒄𝒊𝒍 é 𝒗𝒊𝒗𝒆𝒓 𝒔𝒆𝒎 𝒕𝒆𝒖 𝒂𝒎𝒐𝒓..." As palavras ganhavam vida, e eu me sentia transportado para um mundo onde sonhos se realizavam.
No entanto, o povo de Anta era tão hospitaleiro que o circo acabou estendendo sua estadia, fortalecendo laços de amizade. O espaço que abrigava as tendas pertencia ao 𝐒𝐫. 𝐋𝐢𝐧𝐜𝐨𝐥𝐧 𝐌𝐢𝐫𝐚𝐧𝐝𝐚, e, talvez por sua influência, o saudoso 𝐓𝐢ã𝐨 𝐌𝐨𝐜𝐫é𝐢𝐚 foi autorizado a fazer uma apresentação memorável. Fantasiado de 𝑫𝒂𝒏𝒊𝒆𝒍 𝑩𝒐𝒐𝒏𝒆, o justiceiro de um seriado televisivo dos anos 60, 𝐌𝐨𝐜𝐫é𝐢𝐚 pretendia disparar um canhão artesanal de fabricação caseira.
Mas o inesperado se fez presente: o estrondo e a energia da explosão rasgaram a lona do circo, deixando o dono enfurecido.
Apesar desse incidente, todos ansiavam pelo momento em que o palhaço 𝒁é 𝑴𝒊𝒏𝒈𝒂𝒖 entrava em cena. Com sua personalidade escrachada e seu jeito divertido, ele era capaz de levar todos ao limite do riso. E eu, assim como dezenas de outras crianças da Vila de Anta, ansiava por cada uma dessas apresentações. O circo era um mundo distante de nossas realidades, mas havia duas opções para nos aproximarmos: "bater lona" ou “aceitar o trabalho explorado de vender pipocas e doces durante os espetáculos”. Optava sempre pela segunda opção, pois me dava a oportunidade de parcialmente participar daquelas ocasiões mágicas.
Envolto nesse turbilhão de sentimentos, eu me entregava completamente ao encanto daqueles momentos. Os dias se transformavam em uma sinfonia de cores, risos e melodias que enchiam meu coração de alegria e esperança. Era como se o circo trouxesse consigo um mundo paralelo, onde as preocupações do cotidiano se dissipavam e a magia ganhava vida.
A cada noite, quando as cortinas se abriam e as luzes iluminavam o picadeiro, eu me encontrava lá com uma tábua de pirulitos nesse comércio de segundas intenções. As acrobacias no ar faziam minha respiração suspender, enquanto os malabaristas jogavam seus objetos em uma dança perfeita. Os trapezistas desafiavam a gravidade, flutuando no ar com uma graça indescritível.
Mas era com o palhaço 𝒁é 𝑴𝒊𝒏𝒈𝒂𝒖 que eu me conectava de maneira especial. Seu jeito desengonçado e suas piadas irreverentes eram um bálsamo para minha alma, uma pausa na realidade dura que muitas vezes me cercava. Ele era o responsável por arrancar gargalhadas contagiantes de todos ao seu redor, e eu me deliciava com cada momento de sua performance.
Nos bastidores, eu observava com admiração os artistas se preparando para suas apresentações. Era ali que os sonhos ganhavam forma, onde a dedicação e o trabalho árduo se transformavam em momentos de pura magia. Cada ensaio, cada detalhe meticulosamente planejado, tudo culminava naqueles instantes fugazes de espetáculo que encantavam plateias.
E enquanto eu vendia pipocas e pirulitos, permitindo-me ser parte daquele mundo efêmero, eu absorvia cada vibração, cada riso e cada aplauso. Eu me sentia parte daquele universo mágico, mesmo que em uma posição humilde. Aquele circo era minha fuga, minha válvula de escape para um mundo onde os sonhos eram possíveis.
Na Vila de Anta, a hospitalidade do povo se misturava com a euforia circense. O circo se tornou mais do que um simples espetáculo, era uma comunidade, uma família temporária que se formava ao redor daquelas lonas coloridas. As amizades floresciam, os laços se fortaleciam e as lembranças se entrelaçavam em um tecido de saudade.
E assim, os dias se desenrolaram como num passe de mágica, até chegar o momento da despedida. O circo, como uma borboleta em busca de novos horizontes, levantou suas tendas e seguiu viagem para encantar outras terras. E eu fiquei ali, com o coração repleto de memórias e a certeza de que aqueles momentos jamais seriam esquecidos.
O Gran Circo Internacional deixou um rastro de encanto e inspiração na Vila de Anta. As histórias compartilhadas, as risadas compartilhadas e a sensação de pertencimento em um mundo mágico continuariam a ecoar nas mentes e corações daqueles que tiveram o privilégio de testemunhar sua grandiosidade. O circo deixou um legado de sonhos e esperanças que ecoaria nas vidas daquelas crianças, incluindo a minha própria.
Passaram-se os anos, e a Vila de Anta continuou sua jornada, acolhendo novas histórias e enfrentando desafios. O circo se tornou uma lembrança distante, mas sua essência permanecia viva nos corações daqueles que vivenciaram sua magia.
Eu, o pequeno retirante nordestino que encontrou refúgio naquelas lonas coloridas, carregava dentro de mim as lições aprendidas naqueles dias. Aprendi que os sonhos não têm fronteiras, que a alegria pode surgir nos lugares mais improváveis e que a união e a solidariedade transformam vidas.
Com o passar dos anos, a vida me levou por caminhos diversos, distanciando-me daqueles momentos mágicos. No entanto, a chama do circo permaneceu acesa dentro de mim, como uma lembrança vívida de um tempo em que a inocência e a fantasia se entrelaçavam em perfeita harmonia.
Hoje, quando o vento sopra suave e traz consigo o cheiro de grama pisada e o som de uma melodia distante, meu coração se enche de nostalgia. Recordo-me das risadas compartilhadas, dos sorrisos iluminados e dos olhares maravilhados que preenchiam o ambiente. As lembranças ganham vida novamente, e por um instante, volto a ser aquele menino que mergulhava de corpo e alma naquele mundo mágico.
O Gran Circo Internacional e sua breve estadia em Anta deixaram uma marca indelével na história daquele lugar. Aqueles dias de encanto e diversão representaram muito mais do que um simples entretenimento. Foram momentos de conexão, de superação de barreiras e de descobertas pessoais. Naquele circo, encontramos uma comunidade acolhedora, onde sonhos se tornaram possíveis e onde a imaginação ganhou asas.
A Vila de Anta seguiu seu curso, com suas alegrias e desafios, mas sempre levando consigo as lembranças preciosas daqueles dias inesquecíveis. E enquanto o tempo avança e novas histórias são escritas, o circo permanecerá como um símbolo eterno de uma época em que a fantasia se materializou e transformou vidas naquela pequena vila.
E assim, com um suspiro nostálgico, encerro estas palavras, permitindo que a crônica do Gran Circo Internacional e sua passagem pela Vila de Anta se entrelace com as memórias e imaginações de todos aqueles que tiveram o privilégio de vivenciar aquela experiência única. Que o espírito do circo continue a inspirar e encantar corações, mantendo viva a magia que nos faz sonhar e acreditar em um mundo onde tudo é possível.