"𝐎 𝐂𝐢𝐫𝐜𝐨 𝐝𝐚 𝐑𝐮𝐚 𝐝𝐨 𝐒𝐚𝐩𝐨: 𝐎𝐧𝐝𝐞 𝐒𝐨𝐧𝐡𝐨𝐬 𝐞 𝐑𝐢𝐬𝐚𝐝𝐚𝐬 𝐬𝐞 𝐄𝐧𝐜𝐨𝐧𝐭𝐫𝐚𝐦"
Na Vila de Anta, onde a criatividade e a desocupação se uniam para criar mundos paralelos, a magia do circo ganhou vida própria. O Gran Circo Internacional havia deixado sua marca indelével nos corações dos moradores, e agora, movidos por uma paixão contagiante, um grupo de jovens da rua do sapo decidiu montar seu próprio espetáculo circense.
A ideia surgiu em uma tarde ensolarada, quando 𝑻𝒊𝒏𝒂, filha do Sr. 𝑬𝒍𝒊𝒂𝒔, lançou a proposta audaciosa: "E se nós montássemos o nosso próprio circo?" E assim, entre risadas e olhares cúmplices, o projeto começou a ganhar forma. O terreno baldio onde hoje é o mercado do 𝑻𝒊ã𝒐𝒛𝒊𝒏𝒉𝒐, foi escolhido como o local dos espetáculos, e sacos de farelos vazios se transformaram em uma lona improvisada, envolvendo o público em uma atmosfera de mistério e encanto.
Cada detalhe foi pensado com cuidado e entusiasmo. Com a ajuda do 𝑻𝒊ã𝒐 𝑴𝒐𝒄𝒓é𝒊𝒂, o homem do canhão artesanal, arquibancadas foram erguidas para acomodar os espectadores ansiosos. E assim, com o cenário montado, chegou o momento de definir os artistas que trariam vida e emoção ao picadeiro improvisado.
Tina, com sua imaginação fervilhante, assumiu o papel de diretora do circo caseiro. 𝑱𝒐𝒃𝒊𝒏𝒉𝒂 𝒅𝒂 𝑰𝒅𝒊𝒏𝒉𝒂 foi designado para interpretar o tinhoso em um duelo contra o icônico 𝑫𝒂𝒏𝒊𝒆𝒍 𝑩𝒐𝒐𝒏𝒆, papel que coube ao corajoso 𝑴𝒐𝒄𝒓é𝒊𝒂. O 𝑻𝒂𝒙𝒊𝒄𝒐, mesmo não sendo morador da rua do sapo, conquistou seu lugar como mestre do rola-rola, enquanto o 𝑴𝒂𝒏𝒐 𝒅𝒂 𝑪𝒂𝒓𝒎𝒆𝒏 mostrou sua habilidade como malabarista na corda bamba.
E então, a grande surpresa: 𝑻𝒊𝒏𝒂 propôs que eu me transformasse em 𝑺𝒊𝒅𝒏𝒆𝒚 𝑴𝒂𝒈𝒂𝒍. Aceitei a proposta de imediato, ciente de que minha vocação para a dança poderia trazer vida ao personagem. Com peruca, botas de salto alto e um figurino espalhafatoso, eu me entreguei ao papel, pronto para encantar a plateia com meu rebolado.
A estreia do circo caseiro foi um verdadeiro sucesso. A expectativa era palpável, e quando os acordes de "O Meu Sangue Ferve Por Você" ecoaram pelo ar, a plateia se rendeu. A energia contagiante se espalhou pelo picadeiro improvisado, e as gargalhadas ecoaram entre as arquibancadas.
Mas, em um momento inesperado, meu pai, Bahiano do Baixão, surgiu no meio do espetáculo, empunhando um galho de goiabeira, meticulosamente escolhido. A plateia foi tomada por surpresa, e os aplausos se intensificaram. Meu pai, com seu jeito peculiar de demonstrar afeto, desferiu golpes em minhas pernas, enquanto proferia as seguintes palavras: “não sabia que eu estava criando uma mariquinha”.
Após a surra, com o coração magoado e as pernas marcadas, corri para casa deixando para trás a peruca e as botas pelo caminho. O que poderia ter sido um momento de glória e reconhecimento transformou-se em um lembrete doloroso da realidade. Meu pai, no fundo, não compreendia a minha paixão pelo circo, ele buscava o entendimento nas tradições e expectativas que a vida na Vila de Anta impunha sobre nós.
No dia seguinte, encontrei o 𝑷𝒂𝒖𝒍𝒐 𝑺𝒂𝒑𝒐, um dos amigos que estava na estreia do circo. Ele riu e disse: "Que criatividade a de vocês! Foi incrível quando teu pai entrou em cena". Foi ali que compreendi o equívoco da plateia, o aplauso que acreditava ser por minha atuação como 𝑺𝒊𝒅𝒏𝒆𝒚 𝑴𝒂𝒈𝒂𝒍 era, na verdade, uma mistura de surpresa e admiração pela presença de meu pai em cena.
Apesar do desapontamento, não posso negar que o circo da rua do sapo foi uma experiência transformadora. Naqueles dias de preparação e apresentações, aprendemos o valor da união, da criatividade e do trabalho em equipe. A rua do sapo se tornou o nosso picadeiro, e, por um breve momento, nos sentimos parte de um mundo mágico onde sonhos se tornavam realidade.
À medida que o tempo passou e seguimos nossos caminhos individuais, aqueles dias do circo da rua do sapo se tornaram uma lembrança preciosa, uma história para ser compartilhada com sorrisos nostálgicos. Cada um de nós encontrou o seu próprio caminho, seja nas artes, nas profissões ou em outras paixões que nos moviam. O circo foi apenas o ponto de partida, uma faísca que acendeu em nós a chama da criatividade e da vontade de criar algo único.
Hoje, olhando para trás, reconheço que a passagem do Gran Circo Internacional pela Vila de Anta e a nossa tentativa de recriar aquele universo mágico foram momentos que moldaram a nossa identidade. Aqueles dias nos ensinaram que a busca pelo sonho pode ser difícil, mas que o verdadeiro valor está na jornada e nas pessoas que encontramos pelo caminho.
Assim, guardo com carinho as memórias do circo da rua do sapo, com seus artistas improvisados, sua lona de sacos vazios e as risadas que ecoavam pelo ar. É uma lembrança que exalta a importância de seguir nossas paixões, mesmo quando o mundo ao nosso redor parece não entender.
Que cada um de nós continue a buscar a sua própria magia, a encontrar o seu picadeiro e a compartilhar o encanto com aqueles que estão dispostos a sonhar junto. Pois, no fim das contas, o circo está dentro de nós, é a manifestação da nossa criatividade, da nossa ousadia e do nosso desejo de fazer a vida mais colorida. E, mesmo que o aplauso seja silencioso, o importante é que nunca percamos a coragem de seguir em frente, mesmo diante das adversidades. Assim como o circo da rua do sapo, a vida é um espetáculo repleto de altos e baixos, de surpresas inesperadas e de momentos que nos desafiam. O importante é encontrar a força interior para superar as dificuldades e continuar a buscar a nossa própria felicidade.
Hoje, olhando para trás, vejo como aquela experiência do circo caseiro foi um símbolo da nossa juventude, da nossa sede por aventuras e da nossa capacidade de transformar sonhos em realidade. Mesmo que o duelo entre o tinhoso e o Daniel Boone tenha ficado apenas na imaginação, a jornada que percorremos foi uma lição valiosa sobre amizade, criatividade e perseverança.
E, ao lembrar-me daqueles momentos, não posso deixar de sorrir com gratidão por todos os personagens que fizeram parte daquela história. O 𝑻𝒂𝒙𝒊𝒄𝒐 e seu rola-rola, 𝑴𝒂𝒏𝒐 𝒅𝒂 𝑪𝒂𝒓𝒎𝒆𝒏, 𝑱𝒐𝒃𝒊𝒏𝒉𝒂 𝒅𝒂 𝑰𝒅𝒊𝒏𝒉𝒂, 𝑻𝒊𝒏𝒂 e tantos outros. Cada um contribuiu com seu talento e entusiasmo, deixando uma marca indelével em nossos corações.
E, sobretudo, não posso esquecer de meu pai, Bahiano do Baixão, que mesmo de forma imprevista e desajeitada, trouxe sua presença ao picadeiro improvisado, despertando emoções que jamais poderíamos ter imaginado. Seu gesto, por mais incompreendido que tenha sido, mostrou-me que o amor e a preocupação paternos podem se manifestar de maneiras inusitadas, porém genuínas.
Longe da Vila de Anta e de suas ruas encantadas, guardo a crônica sentimental do circo da rua do sapo como um tesouro pessoal. É uma história que carrego com carinho, que me faz lembrar da inocência e da audácia da juventude, e que me inspira a abraçar meus sonhos com fervor e determinação.
Que a rua do sapo e seus personagens singulares permaneçam vivos em minha memória, como um lembrete constante de que a imaginação e a criatividade têm o poder de transformar o comum em extraordinário. E que, assim como o Gran Circo Internacional deixou sua marca na Vila de Anta, possamos deixar nossa marca no mundo, criando espetáculos únicos e espalhando alegria e inspiração por onde passarmos.
Pois, no picadeiro da existência, somos os protagonistas, os artistas e os contadores de histórias, trazendo ao mundo um espetáculo único e inesquecível. Que nossa jornada seja repleta de momentos mágicos e que, ao olharmos para trás, possamos dizer com orgulho que vivemos como verdadeiros artistas do circo da vida.